Ajuste oclusal funcional , e seus benefícios para diferentes especialidades em odontologia ( dentística, reabilitação oral, periodontia e ortodontia).
O ajuste oclusal posiciona a mandíbula em uma relação estável com a maxila, com contatos distribuídos em máxima intercuspidação funcional, protrusão e lateralidade direita e esquerda, de forma a permitir distribuição adequada de forças entre os dentes em todas as fases da mastigação: incisão, trituração e deglutição dos alimentos. Utilizamos inicialmente um jig anterior para estabilizar a mandíbula, sem interferência dos dentes. Assim, a posição mandibular será definida pela ação harmônica da musculatura atuando bilateral e sincronicamente no arco de abertura e fechamento muscular. O objetivo inicial do ajuste será o de permitir que, nesta posição, possamos desgastar cuidadosamente o jig e fechar a mandíbula lentamente até encontrar o primeiro contato interferente. Uma vez que este contato seja localizado, faremos os ajustes para que a mandíbula possa percorrer seu arco de fechamento cêntrico funcional (determinado pela musculatura) até a máxima intercuspidação. Nesta posição de harmonia entre o fechamento dos dentes e o equilíbrio sincrônico dos músculos de abertura e fechamento da mandíbula, distribuímos os contatos entre os dentes posteriores em máxima intercuspidação. Desta forma teremos uma distribuição de cargas oclusais em máxima intercuspidação numa posição mandibular cêntrica harmônica com o arco de fechamento estabelecido pelos músculos, de forma que, no momento da deglutição, a mandíbula possa se estabilizar contra a maxila em máxima intercuspidação funcional, sem desvios e tensionamento da musculatura envolvida e com a carga oclusal distribuída bilateralmente entre os dentes posteriores. Este ajuste também busca eliminar componentes laterais de forças sobre o periodonto, que poderiam estar sendo geradas pelas interferências entre vertentes cuspídeas, no fechamento cêntrico da mandíbula para máxima intercuspidação. Após o ajuste em máxima intercuspidação, distribuímos as cargas oclusais nos movimentos excursivos, para que o paciente exerça as funções de incisão e trituração dos alimentos com as forças distribuídas entre os dentes que exercem estas funções, liberando aqueles que não estejam envolvidos especificamente com a função em um determinado movimento. Este alívio é importante para que o periodonto destes dentes não sejam sobrecarregados com componentes laterais de força, no momento que não estão relacionados diretamente com a função exercida.
O benefício do ajuste oclusal tem sido observado no acompanhamento de casos clínicos. Burgett et al demonstraram os benefícios do ajuste oclusal associado à terapia periodontal no tratamento de pacientes com periodontite (Burgett et al, 1992). Eles acompanharam os pacientes após o tratamento periodontal e observaram que o ganho de inserção periodontal nos pacientes que receberam o ajuste oclusal foi significativamente maior do que naqueles que não receberam o ajuste oclusal. No caso de tratamentos ortodônticos, Roth observou que a associação entre a estabilidade oclusal obtida por procedimentos de ajuste oclusal e a estabilidade oferecida pelo uso de aparelhos de contenção, permitem que a dentição se torne estável mais rapidamente. Ele critica, no entanto, a alternativa de se usar um aparelho de contenção para manter os dentes em posição, sem que estes estejam em estabilidade oclusal (Roth, 1981). No caso de múltiplas restaurações, de reabilitações orais que envolvam dentes posteriores bilateralmente ou mesmo em reabilitações parciais unilaterais, o ajuste oclusal funcional pode ser utilizado antes do tratamento, para que a nova prótese já possa se integrar num padrão oclusal funcional e de melhor distribuição de forças oclusais. Este ajuste também pode ser utilizado ao final do tratamento para verificar a distribuição das cargas oclusais após a cimentação das próteses ou confecção de múltiplas restaurações. (Dawson, 1989 ; Smukler, 1991; Henriques, 2003).
No caso de pacientes com Síndrome dor-disfunção da Articulação temporo-mandibular, o ajuste oclusal não é indicado durante a fase aguda. O número de contatos dentários é diminuído pelo quadro de sinais e sintomas nestes pacientes. A melhora dos sintomas leva a um aumento no número de contatos e resulta numa nova localização dos mesmos na superfície oclusal ( Pereira e Conti, 2001). Para a melhora de sintomas, recomendamos abordagens terapêuticas conservadoras que associam o uso da placa mio-relaxante (Kovaleski e Boever, 1975), para alívio dos sintomas agudos, e a ação do preparador físico, para proporcionar relaxamento e estabelecimento de condicionamento físico adequado, a fim de prevenir a recorrência dos sintomas (Campos, 2001).
A importância dos exercícios físicos na abordagem terapêutica da Síndrome Dor disfunção miofascial se baseia na associação existente entre a tensão e dor muscular presente nos portadores dessa síndrome e na necessidade de aumentarmos a tolerância fisiológica do organismo envolvido (Okeson, 1993; Campos et al, 2001). O uso da placa miorrelaxante reduz os níveis de dor, o que está correlacionado ao aumento do número de contatos oclusais (Pereira e Conti, 2001).
Após o tratamento dos sintomas, e fora da fase aguda da Síndrome, estes pacientes são tratados da mesma forma que os demais, ou seja, se houver necessidade de restabelecimento da estabilidade mandibular, associado ou não com tratamento periodontal, restaurador e/ou ortodôntico, o ajuste oclusal será utilizado para melhor distribuição dos contatos oclusais em todas as fases da função mastigatória: incisão, trituração e deglutição dos alimentos.
Se as regras para o ajuste oclusal funcional forem utilizadas, o mínimo de desgaste será necessário, na maioria das vezes imperceptível ao dentista e ao paciente, no que se refere à percepção visual, mas de extrema significância para o paciente, que automaticamente revela um bem estar surpreendente. Este bem estar é imediatamente constatado nas seguintes expressões espontaneamente observadas após a conclusão do ajuste, tais como: “puxa, finalmente sinto que minha boca realmente fechou”, “que alívio!”, ou, “é incrível a sensação de bem estar por sentir que finalmente meus dentes encaixaram”. Depoimentos deste tipo são observados principalmente em ajustes oclusais após tratamentos ortodônticos e reabilitações orais. Por outro lado, o que o dentista percebe é a distribuição de cargas mastigatórias em um maior número de dentes, superando problemas de concentração de forças em determinados dentes, aliviando o periodonto de alguns dentes que sofrem com a má distribuição das cargas mastigatórias, e muitas vezes aliviando sintomas de dor localizada em um dente específico.
A função do jig de Lúcia no ajuste oclusal funcional
O primeiro passo do ajuste oclusal funcional consta em remover a influência dos dentes presentes no posicionamento da mandíbula e estabilizar a mandíbula numa posição em que a musculatura não seja tensionada , eliminando o desvio da mandíbula de seu arco de fechamento muscular, pelo deslize entre vertentes cuspídeas.
Lucia observou que a maioria dos pacientes tem um fechamento mandibular reflexo determinado e guiado pelos dentes. Em adição a este reflexo, condicionado pela máxima intercuspidação dos dentes, alguns pacientes desenvolvem reflexos para evitar injúrias aos tecidos, o que modifica o padrão de funcionamento muscular (Lucia, 1964). Dawson (1989) explica que a razão pela qual os músculos mudam a posição da mandíbula na presença de interferências oclusais é para prevenir que os dentes interferentes absorvam toda a força da musculatura de fechamento . Esses desvios musculares geram zonas de tensão na musculatura, podendo os músculos exercerem a função dos ligamentos na fixação da mandíbula em uma nova posição, de onde estes movimentos se iniciam e terminam (Dawson, 1989; Henriques, 2003). Kinderknecht (1992) tem suportado as observações de Okeson de que 40% a 50% dos pacientes exibem dor à palpação, detectável sub-clinicamente, na musculatura da mastigação (Okeson, 1993).
Os arcos reflexos condicionados são formados pela repetição contínua de um mesmo circuito neuro-muscular. Quando a mandíbula é induzida a ir várias vezes consecutivas a uma posição que não seja sua posição fisiológica em relação cêntrica, desviando-se por um instinto de proteção natural de um contato oclusal interferente, cria-se um arco reflexo, que se faz habitual e inconsciente, modificando o padrão neuro-muscular de mastigação (Henriques, 2003). A habilidade da oclusão programar a função muscular, foi chamada de programação oclusal por Guichet (1977). Este mesmo fenômeno é descrito como “ação reflexa desfavorável” por Kornfeld (1974), “sistema proprioceptivo “ por Dawson (1989) e “engramas musculares” por Okeson (1993).
Lucia (1964) apresentou uma técnica em que um jig de acrílico auto polimerizável era interposto entre os dentes anteriores em um articulador, o qual era lentamente reduzido à altura desejada, na boca, num tempo de aproximadamente 20 minutos. O jig anterior tinha como objetivo separar ligeiramente os dentes e, desprogramar os padrões proprioceptivos do contato habitual entre os dentes101. Lucia (1964) enfatizou que é o procedimento de ajuste do jig na boca que diferencia esta técnica de outras, porque quebra o padrão reflexo de fechamento durante os repetitivos movimentos de abertura e fechamento que o paciente faz durante o ajuste, sem o contato dos dentes. O paciente é orientado a manter os dentes fora de contato durante todo o procedimento de ajuste do jig, para que o efeito da desprogramação não seja perdido. Segundo Lucia (1964), após o ajuste, o jig deve ter uma plataforma definida com o toque de um dente anterior, sem indução de desvios na mandíbula.
Okeson40 enfatizou que um jig nos incisivos superiores deve prover uma plataforma perpendicular ao longo eixo dos incisivos inferiores em contato com o jig. É importante que os incisivos inferiores não contatem uma superfície que não seja paralela ao seu longo eixo porque poderia causar um desvio da posição da mandíbula. Se o jig for confeccionado com uma inclinação palatina exagerada, poderia induzir a retrusão da mandíbula para uma posição fora daquela determinada pelo equilíbrio músculo-esquelético40. O uso do jig, portanto, deve eliminar fechamentos reflexos condicionados, permitindo o posicionamento da mandíbula pela livre ação dos músculos mastigatórios sem a influência dos contatos dentários100,101.
Antes do registro de relação cêntrica, ou ajuste oclusal, o uso de um Jig anterior normaliza a musculatura e elimina fechamentos reflexos condicionados permitindo o posicionamento da mandíbula pela ação harmônica dos músculos mastigatórios sem a influência de contatos dentários (Calagna, 1973; Carroll, 1988). O jig anterior para a determinação da posição de relação cêntrica provê uma parada anterior, a qual, juntamente com ambos os côndilos, irão compor a tríade de pontos requeridos para estabelecer estabilidade vertical para a mandíbula, durante o ajuste oclusal.
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